O outono traz dias mais curtos, noites mais longas e a sensação de que já não há tanto para “fazer lá fora” como no verão. Mas talvez este seja precisamente o momento certo para parar, recolher e olhar para dentro. Tal como a natureza abranda para se preparar para a renovação, também nós podemos aproveitar este tempo para cultivar autoconsciência: perceber quem somos, o que sentimos, o que pensamos e o que realmente valorizamos.
Vivemos numa era acelerada, onde raramente nos permitimos parar. O ritmo diário, a pressão social e a constante comparação nas redes fazem com que muitas vezes deixemos de lado uma das competências mais importantes para o nosso bem-estar: a autoconsciência.
O que é a autoconsciência?
No modelo SEL (Aprendizagem Socioemocional), a autoconsciência é a capacidade de reconhecer e compreender as nossas próprias emoções, pensamentos e valores, percebendo como influenciam os nossos comportamentos. É um processo interno que envolve:
Identificar o que sentimos.
Reconhecer pontos fortes e limitações.
Entender o que nos motiva.
Refletir sobre como reagimos em diferentes situações.
O problema de “seguir” sem olhar para dentro
Hoje em dia, muitas crianças, jovens e até adultos, limitam-se a “seguir”: seguir tendências, seguir influenciadores, seguir objetivos e expectativas que não são seus. As redes sociais reforçam esta lógica da imitação, em vez da reflexão. Olhamos mais para fora (outros) do que para dentro (eu). E quando não conseguimos corresponder àquilo que vemos lá fora, instala-se o sentimento de inferioridade, fracasso e insegurança.
Sem autoconsciência, perdemos a capacidade de distinguir quem somos daquilo que os outros projetam (ou do que pensamos que eles projetam). Isso fragiliza a autoestima e faz com que coloquemos constantemente o nosso valor em causa diante de erros, críticas ou falhas.
A importância da autoconsciência
Uma criança (ou adulto) com autoconsciência desenvolvida consegue:
Reconhecer emoções sem se deixar dominar por elas.
Avaliar os erros como oportunidades de aprendizagem.
Celebrar conquistas sem depender apenas da validação externa.
Aceitar limitações /críticas sem se sentir “menos” por isso.
Valorizar a sua autenticidade em vez de viver para agradar aos outros.
Em contrapartida, a falta de autoconsciência aumenta a vulnerabilidade à comparação, ao perfeccionismo e à insegurança.
Muitas vezes acreditamos que bem-estar significa estar sempre ativos, rodeados de pessoas e com a agenda cheia. A própria sociedade reforça a ideia de que “sair muito” é sinal de autoestima e motivação, enquanto “ficar em casa” é sinal de desânimo ou isolamento.
Na prática clínica, acontece algo curioso: há pessoas que, em determinado momento do processo, começam a dizer que já não lhes apetece sair tanto, que preferem passar mais tempo em casa. E quase sempre partilham esta mudança como se fosse um sinal de agravamento.
A pergunta que costumo fazer é simples:“Como se sente agora, quando está em casa, consigo mesmo?”
E a resposta faz toda a diferença. Quando dizem que se sentem bem, que apreciam esse tempo, que até desfrutam do silêncio… eu devolvo: “Então isso é um sinal de evolução, não de regressão.”
Porque é aqui que entra a autoconsciência: perceber como me sinto comigo mesmo. Se estar em casa é vivido com prazer, calma e serenidade, então não é isolamento — é recolhimento saudável, é autocuidado. O que fragiliza não é estar em casa, mas sim não conseguir estar em paz com a própria companhia, é senti necessidade de sair (ou fazer coisas) porque não se está bem em lado nenhum (muito menos consigo mesmo).
Como podemos promover a autoconsciência?
A boa notícia é que a autoconsciência pode ser ensinada e treinada. Pequenas práticas no dia a dia fazem a diferença:
1. Parar para perguntar: “O que estou a sentir agora?”
A autoconsciência começa com a capacidade de reconhecer emoções. Este gesto simples — parar alguns segundos e colocar esta pergunta — ajuda a criança (e também o adulto) a identificar e nomear aquilo que sente no momento. Pode parecer pequeno, mas é um exercício poderoso que desenvolve a linguagem/vocabulário emocional e reduz reações automáticas.
2. Incentivar a criança a falar sobre o que pensa e gosta, sem julgamentos
A autoestima fortalece-se quando a criança percebe que a sua voz é ouvida e respeitada. Ao perguntar “O que gostas mais de fazer?” ou “O que pensas sobre isto?”, sem corrigir ou criticar de imediato, damos espaço para que ela explore ideias e preferências próprias. Isso alimenta a noção de identidade e autonomia.
3. Criar momentos de pausa, reflexão e silêncio
Vivemos num mundo de estímulos constantes. As crianças (e nós adultos) raramente têm tempo para estar em silêncio, ouvir-se e refletir. Reservar breves momentos de calma — no início da aula, em família antes de dormir, ou até durante uma caminhada — permite cultivar presença e consciência de si.
4. Usar recursos pedagógicos que ajudem a nomear emoções e valores
Ferramentas visuais e lúdicas, como cartões de emoções ou jogos de valores, são aliados importantes para dar palavras ao que muitas vezes é sentido, mas não facilmente expresso. Quando a criança aprende a nomear o que sente ou o que valoriza, ganha clareza interior e confiança para se expressar (visite a nossa loja online e veja todos os recursos que temos disponíveis).
5. Mostrar, pelo exemplo, que também os adultos se enganam, aprendem e crescem
As crianças aprendem mais pelo que veem do que pelo que ouvem. Quando os adultos assumem os próprios erros, pedem desculpa, partilham aprendizagens ou falam sobre momentos em que se sentiram inseguros, estão a ensinar que não há problema em falhar. Isso transmite a ideia de que o valor pessoal não depende da perfeição.
O desafio para todos nós
Talvez o maior desafio do nosso tempo seja justamente este: permitir-nos parar. Em vez de correr atrás da validação externa, tentar olhar para dentro. Em vez de seguir automaticamente, escolher conscientemente.
O outono lembra-nos que não precisamos estar sempre em movimento, sempre a correr atrás de coisas ou comparações. Há toda uma beleza em parar, recolher e simplesmente escutar-nos por dentro. Se a natureza sabe quando é tempo de deixar cair as folhas, também nós podemos aprender a soltar pressões externas e a dar espaço ao que é essencial: autoconsciência, autoestima e confiança para continuar a crescer.
A autoconsciência não é apenas uma competência SEL: é uma bússola interna que orienta a forma como nos relacionamos connosco e com os outros. E quanto mais cedo ajudarmos crianças e jovens a desenvolver essa bússola, mais preparados estarão para viver com autoestima, confiança e resiliência.