Férias: o tempo ideal para cultivar a curiosidade
03 Julho 2025

As férias são, muitas vezes, encaradas como um tempo de descanso — o que é, sem dúvida, essencial. Mas são também uma janela preciosa para algo que, por vezes, fica esquecido no meio dos horários apertados e das rotinas escolares: a curiosidade.

Num mundo onde se valoriza cada vez mais a eficiência e o rendimento académico, esquecemo-nos que a verdadeira aprendizagem começa muito antes das respostas certas. Começa com perguntas. Com um "e se?", com o brilho no olhar diante de algo novo, com a vontade de experimentar, desmontar, imaginar. Começa com a curiosidade!

A curiosidade é uma competência para a vida

Não é apenas um traço de personalidade positivo ou uma fase do desenvolvimento infantil. A curiosidade é uma competência socioemocional poderosa, que influencia diretamente a forma como a criança se relaciona com o mundo, com os outros e consigo mesma.

Está na base do pensamento crítico, porque nos leva a questionar em vez de aceitar tudo como garantido. Nutre a criatividade, ao abrir caminho a novas ideias, soluções e perspetivas. Alimenta a persistência, pois uma mente curiosa tende a continuar à procura, mesmo quando não encontra a resposta logo à primeira. E potencia a empatia, porque quem é curioso sobre o mundo também tende a interessar-se pelas histórias, sentimentos e pontos de vista das outras pessoas.




Mais do que isso, a curiosidade é um motor de aprendizagem autónoma. Quando uma criança sente vontade e prazer em descobrir algo, o impulso vem de dentro — não precisa de ser recompensada, elogiada ou “pressionada” para aprender. Essa motivação intrínseca é uma das bases mais sólidas do sucesso a longo prazo, tanto na escola como na vida.

A investigação confirma este impacto. Um estudo publicado no Pediatric Research Journal (Shah et al., 2018) mostrou que crianças com níveis mais elevados de curiosidade tendem a ter melhor desempenho académico, mesmo em contextos de maior vulnerabilidade social. Ou seja, a curiosidade pode atuar como um fator protetor, ajudando a reduzir desigualdades socioculturais.

Além disso, a curiosidade está associada a uma maior flexibilidade cognitiva — a capacidade de ver as coisas de várias formas, adaptar-se a novas situações e tolerar a ambiguidade. Isto é especialmente relevante num mundo em constante mudança, onde as competências mais valorizadas já não são apenas o conhecimento técnico, mas a capacidade de pensar, questionar e adaptar.

Por outro lado, a curiosidade ajuda-nos a lidar melhor com o erro. Uma criança curiosa vê o erro como parte do processo, não como um falhanço pessoal. Sente-se segura para experimentar, explorar e tentar de novo — competências essenciais para a resiliência emocional.





O nosso papel enquanto adultos

Apesar disso, sem darmos conta, acabamos muitas vezes por limitar essa capacidade natural das crianças. Interrompemos as explorações porque há pressa. Damos respostas prontas porque não temos tempo para investigar em conjunto. Evitamos que subam, saltem, mexam ou façam perguntas “difíceis”, por medo, por cansaço ou por hábito.

Impedimos a criança de experimentar, de testar, de inventar — porque, no fundo, temos medo que falhe. E, muitas vezes, somos nós, adultos, que também temos dificuldade em lidar com o erro. Acabamos por ficar na zona de conforto — e, sem querer, ensinamos a criança a fazer o mesmo. Dizemos-lhe que é melhor não arriscar, que “isso não vai resultar”, que “assim não é bonito” ou “vais sujar a roupa”. E, pouco a pouco, vamos trocando a curiosidade pela conformidade.

Mas errar faz parte do processo de aprender. Quando a criança tem espaço para experimentar e falhar — sem ser julgada, corrigida de imediato ou ridicularizada — desenvolve competências como a resiliência, a tolerância à frustração e a capacidade de adaptação. Aprende a confiar nas suas ideias, mesmo que não sejam perfeitas.

Durante as férias, temos uma oportunidade de treinar isto. De dar espaço ao não-planeado. De permitir que a criança faça perguntas, que se aborreça e volte a interessar-se. Que imagine soluções para problemas que nós próprios nunca tínhamos visto como problemas.





Como promover a curiosidade e a criatividade durante as férias?

  • Aceitar o caos criativo: a criatividade é desarrumada por natureza. Deixar espaço para que a criança experimente — mesmo que isso envolva tinta no chão ou meias sujas no jardim.

  • Fazer perguntas (em vez de dar respostas): "O que achas que vai acontecer se…?", "Como farias isso de outra maneira?".

  • Evitar corrigir de imediato: se uma criança constrói algo estranho com blocos, em vez de dizer “isso não é assim”, perguntar “para que serve essa construção?”.

  • Estimular o brincar simbólico e os “faz de conta”: são uma porta de entrada para a expressão emocional e para o pensamento divergente.

  • Partilhar também a própria curiosidade: mostre entusiasmo por aprender algo novo.





As férias são tempo de descanso, sim. Mas também podem ser tempo de expansão — se estivermos dispostos a abrandar, observar e confiar.

Promover a curiosidade é dar permissão para explorar sem pressa, errar sem medo e aprender com gosto. É mostrar que as perguntas são tão valiosas quanto as respostas. Que não há problema em não saber — e que é precisamente essa dúvida que faz crescer.

A curiosidade, quando é estimulada, transforma-se num motor interno que acompanha a criança ao longo da vida. E talvez o nosso maior papel como adultos seja esse: alimentar esse motor, mesmo quando o impulso é travá-lo. Não temos de ensinar tudo, mas sim de criar espaço para que a criança descubra por si. Mesmo que isso implique sair da nossa zona de conforto, aceitar o imprevisto e fazer as pazes com o erro.

Uma mente curiosa é uma mente viva. E, no fundo, é isso que queremos que as crianças sejam: vivas de entusiasmo, de ideias, de perguntas — mesmo (e sobretudo) quando não sabemos bem como responder.

Boas férias!

 


Referências:
Shah, P., Weeks, H. M., Richards, B., Kaciroti, N., & Radesky, J. S. (2018). Early childhood curiosity and kindergarten reading and math academic achievement. Pediatric Research, 84, 380–386. https://doi.org/10.1038/s41390-018-0039-3

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